lançamento cràse Nº1 `` LIVRARIA TRAMA
em breve disponível em mais locais
Em breve a revista cráse número 1 estará disponível em mais locais, que oportunamente serão divulgados.
Os editores
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Livraria Poetria
Rua das Oliveiras, 70 r/c – loja 12, Porto
t. 222 023 071
livrariapoetria@gmail.com
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Livraria Trama
Rua São Filipe Nery 25B
1250-225 Lisboa
T. 21 3888257
crase.literaria@gmail.com
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A Porta de Duchamp
A Porta de Duchamp – Rosa Maria Martelo: Averno, Lisboa 2009
“Quando vivia em Paris, no pequeno apartamento da rua Larrey, nº 11, Duchamp fez instalar dentro de casa uma porta que não podia estar aberta nem fechada porque estava sempre aberta e fechada ao mesmo tempo” Assim começa “A Porta de Duchamp” de Rosa Maria Martelo, narrativa fragmentada de 17 partes, todas elas com um ponto em comum: as portas como ligação / o que abre / o que fecha - O que mesmo que esteja fechado está aberto. A reflexividade é marcadamente forte neste texto, injectado de uma emotividade sensorial muito acesa e de uma profunda e muito viva perspicácia. Logo no início, as citações iniciais revelam um pouco da narrativa:
“Ouvi bater à porta.
Não há porta. Porque haviam de bater à porta que não há?”
Mário Cesariny
“Há algum que tenha a chave da porta do ser, que não tem porta, e me possa abrir com razão a inteligência do mundo? “
Álvaro de Campos
Duchamp, Fernando Pessoa, Cesariny abriram muitas portas, Rosa Maria Martelo também com este livro, sobretudo muitas perspectivas. Trata-se de um livro múltiplo, coerente e vital, sobretudo de grandes revitalizações.
A reflexão sobre a passagem / o abrir caminhos, é muito atenta e inteligente “Uma porta que ele abria quando a fechava (fechada mesmo aberta como, alguém disse acontecer com os livros”: A frase incluí reflexão sobre o fenómeno literário que continua no texto seguinte: “Há quem fale de livros entrados na carne, como agulhas, de venenos incolores descompassando veias”
O elemento – entrada / saída é revisitado em outras partes do livro – Entrar com força, sair com força. A viagem prossegue com outras pequenas histórias interligadas por este factor, A fotografia está presente. A fotografia usada como registo frágil, suporte perene, pode ser uma das múltiplas aberturas / perspectivas e interpretações do texto “Lama”: “O que faz um fotógrafo de nuvens e de estrelas, neste dia de chuva, de temporal desfeito, quase deitado no chão, fotografias espalhadas no meio da lama”. Em “Infância”, há uma Imagem fortíssima de grande carga sensorial mantendo um registo único: “subtrair à passagem das ondas e do tempo pedacinhos de nada, menos que conchas (búzios partidos, por exemplo de que ficara o centro em espiral). Há uma revitalização da infância: portas que se abrem e fecham na memória e são invocadas (abertas / ou fechadas) nunca por completo: “nada pode ser verdadeiramente deste mundo”. Em “Filme” são invocado Gregory Peck, Ingrid Bergman e Hitchcock: “É então que Hitchcock abre porta atrás de porta, naquele movimento contínuo de certos filmes que aceleram a vida das plantas para as vermos nascer e abrir e abri mais, mas não morrer”. É de grande importância o uso da repetição e a pontuação em “folhas nascem e abrem) e abrem) e abrem)” O parêntesis é fechado, mas não aberto – A abertura está na frase. Outros recursos de grande vitalidade criativa são usados na criação de palavras por repetição e hífen, como “porta-porta”: As palavras abrem.
Muito mais poderia ter sido dito de um livro que é uma porta aberta e de um livro que é uma porta fechada (aberta e fechada ao mesmo tempo). É um livro que Abre muitas portas / perspectivas, onde se deve entrar e sair várias vezes.
Nuno Brito
A rapariga de cabelos estranhos
A Rapariga de Cabelos Estranhos – 1989
David Foster Wallace
Trata-se de um livro de contos. Dez no total. Neste ensaio, serão analisados dois dos mais representativos: “Pequenos animais sem expressão” e “A Rapariga de cabelos estranhos” Conto que dá o novo ao livro.
Pequenos animais sem expressão
“Pequenos animais sem expressão” trata de uma rapariga Julie, personagem principal, irmã de um rapaz autista. São filhos de um casal conturbado. O pai sai de casa e a mãe é uma pessoa visivelmente perturbada, incapaz de prover à educação dos filhos. A educação do rapaz, carente de cuidados especiais é feita por Julie, ainda muito nova. A mãe está ausente. Julie passa a infância sozinha com o rapaz, no mesmo quarto com o mesmo livro. Os amantes que se aproximam da mãe e frequentam a casa, rapidamente se intimidam com a presença do rapaz autista. Julie e o irmão são abandonados pela mãe, em estado de grande fragilidade. O rapaz é internado numa clínica com o auxílio de alguns familiares. Julie faz todo o tipo de trabalhos para sobreviver. Desde pequena que passava a vida a ler obras de carácter geral sobre diversas curiosidades, vida animal, geografia, ciência. Obras para a infância. Julie concorre a um concurso de televisão, baseado em perguntas de cultura geral. Como vence o primeiro, vai no seguinte e volta a vencer. Vence sempre e por isso torna-se popular no mundo da televisão americana. Acerta em todas as perguntas. Entra aqui a capacidade fortemente imagética de David Foster Wallace, cujos cenários de muitos dos seus contos e novelas é o mundo dos bastidores da televisão, sobretudo das grandes produções da televisão americana. Noutros contos deste livro é abordada a questão dos talk shows. Foster Wallace aborda o fenómeno televisivo como uma realidade paralela, construída, mas recheada de caminhos escuros, entre eles a exposição da vida privada, levada ao limite. O oposto entre estes dois mundos é muito bem explorado neste conto. Uma das técnicas de som, Faye, do programa de televisão apaixona-se por Julie e as duas começam a namorar. A técnica de som procura sempre desculpas para o amor lésbico, Julie não procura desculpas. O apresentador do concurso, Alex, figura pública da televisão americana, frequenta um psicanalista, está inconscientemente apaixonado por Julie. Um dos métodos de terapia é a livre associação de palavras. E é neste exercício, que David Foster Wallace se esvai de forma absoluta, o conto possuí muitas livres associações de palavras, sobretudo por parte do apresentador, que vão desde o aforismo a frases de uma intensíssima carga erótica e sensorial. O irmão de Julie vai também um dia ao concurso e acerta em todas as perguntas sobre animais. Julie e o irmão tornam-se populares estrelas de televisão, com a perenidade que isso envolve. Mas as suas relações humanas privadas são exploradas por Foster Wallace até ao cúmulo da emoção. As descrições dos sonhos de Alex são relatos absolutamente geniais.
A rapariga de cabelos estranhos
Este conto é um relato na primeira pessoa de um advogado de uma grande empresa e do seu grupo de amigos punk. Todos vão a um concerto de música clássica, e é durante o concerto que se passa toda a acção deste relato. David Foster Wallace retrata uma sociedade de extrema, colocando-se na pessoa (voz, narrador principal) dos estereótipos que mais detesta. A personagem principal considera-se a si própria bonita (orelhas bonitos, cabelo perfeito). Diz para si próprio ser um homem de sucesso com muitos bons amigos. Durante o concerto conhece outros dois rapazes punk que os amigos lhe apresentam. Todos tomam LSD, menos ele. Antes do intervalo sai um pouco para o hall da sala de espectáculos com outro dos seus novos amigos e este pergunta-lhe como é que ele consegue ser tão feliz. E Diz – Se me explicares de onde provém a tua felicidade natural deixo-te ejacular para cima de mim e da minha namorada. Ele foge à pergunta, fala muito, três páginas mas fugindo à questão da facilidade. Acaba por dizer – Não respondi à tua pergunta, mas se te der 10.000 dólares deixas-me ir com a tua namorada. O relato é quase sobrenatural, completamente magnetizado pela presença no concerto de uma rapariga de cabelos muitos estranhos (a descrição não é feita) É apenas referido que são estranhos e isso contagia o grupo dos amigos a quem o LSD bateu forte.
David Foster Wallace consegue levar as descrições ao extremo, as descrições roçam a alucinação e em tudo provocam estados alterados. Falamos de alguém que percebe como ninguém o que é hiper realidade e a leva ao limite. Todos os contos parecem um riso interno e condensado, um Concentrar muito grande de emoções – Não só a partir das descrições extremamente sensoriais, mas também das elipses inteligentes.
Estamos perante alguém de um sensibilidade profunda.
Nuno Brito
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